quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Marcha das vadias sacode o chão de cacau



No dia 08 de outubro desse ano, em Itabuna, será realizada a Marcha da Vadias. Quem não conhece esse movimento, é uma boa oportunidade para conhecê-lo. Estou publicando esse texto, escrito pelo Coletivo Marcha das Vadias Itabuna, a pedido da minha amiga, a professora Daniela Galdino, uma das organizadoras desse evento. 

POR QUE MARCHA DAS VADIAS? 
 
A vida só é possível reinventada” (Cecília Meireles)


No próximo dia 08 de outubro estaremos em marcha pela principal avenida de Itabuna-Bahia. A nossa cidade sairá na vanguarda, sendo uma das poucas do interior brasileiro a realizar a Marcha das Vadias. Com isso, nos vinculamos a um movimento internacional denominado Slut Walk, iniciado em Toronto, no Canadá, no mês de abril deste ano, em protesto à atitude de um policial que, em uma palestra, advertiu estudantes universitárias da possibilidade de estupro, por estas usarem roupas de “vagabundas” (slut, em inglês). Depois do Canadá, outros países realizaram, em 2011, a Slut Walk: Argentina, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Holanda, Nova Zelândia, França. No Brasil, o movimento recebeu o nome de Marcha das Vadias e vem sendo realizado nas principais cidades do país, a exemplo de  Recife, Salvador, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Florianópolis, Natal, Juiz de Fora (MG) e Campinas (SP).
Considerando que o episódio ocorrido em Toronto não é um fato isolado, a principal motivação da Slut Walk / Marcha das Vadias é o protesto contra as formas de violência que atingem as mulheres. Segundo dados do Relatório da Anistia Internacional, de cada 5 mulheres, 1 será vítima ou sofrerá uma tentativa de estupro até o fim da vida; mais de 1 bilhão de mulheres já foram espancadas ou forçadas a manter relações sexuais (estupro); 1 em cada 3 mulheres no planeta foi submetida a algum tipo de abuso; 20% das mulheres são alvo de estupro.
No Brasil, de acordo com dados do Conselho Estadual de Direitos da Mulher (Cedim), da ONG Cfêmea e do Instituto Patrícia Galvão, a cada 12 segundos uma mulher é violentada; 54% dos estupros são cometidos pelos maridos; 69% das mulheres já foram agredidas ou violentadas por homens, sendo que apenas 7 % dos estupros são cometidos por desconhecidos; apenas 14% das vítimas de agressão sexual notificam a ocorrência do crime; 1 em cada 10 mulheres sofre ao menos um estupro. Eis uma infeliz realidade: 1,3 milhões de mulheres são agredidas, por ano, neste “Brasil varonil”. São 150 agressões a cada hora e, por dia, 10 mulheres mortas, segundo dados do Mapa da Violência no Brasil.
Em Itabuna, de acordo com informações fornecidas pela Delegacia Especializada em Atenção à Mulher (DEAM), entre o início de janeiro e o dia 03 de outubro de 2011 foram registrados 1.305 casos de violência contra mulheres, meninas e jovens. A maioria desses casos é de ameaça (435) e de lesão corporal (394). Entendemos que todos esses índices (locais, nacionais e internacionais) representam, lamentavelmente, a ponta de um imensurável iceberg, afinal, a maioria das vítimas não registra as denúncias, em virtude das ameaças empreendidas pelos agressores, majoritariamente representados pelos seus próprios companheiros, familiares ou conhecidos.
Como se não bastassem tais índices, as mulheres, no mais das vezes, ainda são culpabilizadas pelas violências que sofrem. Daí as idéias circulantes: “aquela mulher foi estuprada porque se veste como uma vagabunda/vadia”, “apanhou porque pediu”, dentre tantas outras. Analisando esse contexto de normalização da violência, chegamos à seguinte constatação: as sociedades deveriam educar os homens para não violentar, em vez de transformar as mulheres, de vítimas, a culpadas por essas agressões.
Se ainda existem números assustadores com relação à violência praticada contra mulheres no Brasil, tais índices não dão conta das manifestações de machismo que se ocultam no bojo de um pretenso discurso de igualdade. Não existe igualdade nos espaços sociais nos quais ainda se reproduzem práticas discriminatórias e agressivas: assédio moral e sexual no trabalho, a tese da legítima defesa da honra para inocentar homens assassinos de mulheres consideradas adúlteras, insinuações sobre a baixa capacidade intelectual feminina, deboches quando mulheres precisam ir à delegacia para denunciar algum tipo de abuso.
Então, por que o nome Marcha das Vadias? O movimento se faz necessário na medida em que a sociedade precisa ser provocada a repensar os seus valores e práticas. A estratégia da provocação encontra ancoragem na reapropriação do termo “vadia”, palavra não neutra utilizada costumeiramente para imputar negatividade(s) à conduta feminina. Por conta disso, a Marcha das Vadias se constitui como uma ação política, um protesto irreverente às formas de condenação de todas as mulheres que conseguem ultrapassar as margens impostas por arbitrariedades sociais, ou que são subjugadas por essas mesmas regras. Para isso, lançamos o incômodo ao enfatizarmos a palavra “vadia” para que, a partir daí, possamos repensar o contexto de onde emergem tais formas de violência.
Em Itabuna, formamos um grupo aberto composto por mulheres, LGBT e também homens de todas as idades, profissões e classes sociais. Estamos junt@s numa grande mobilização e decidimos também nos denominar VADIAS, para denunciar e protestar contra toda sorte de violência que as mulheres sofrem. A Marcha das Vadias é um ato que não se esgota no momento mesmo em que vamos às ruas, o dia 08 de outubro representa o início da nossa mobilização política, que possui o caráter permanente e, justamente por isso, prevê ações formativas realizadas a paritr do diálogo com outros movimentos sociais e instituições representativas ou responsáveis pela defesa dos direitos das mulheres. Fazemos nossas as palavras do artista pernambucano Chico Science: “um passo a frente e você não está mais no mesmo lugar”. É com esse espírito que convocamos a comunidade local a se engajar nessa luta que, antes de tudo, é coletiva.

COLETIVO MARCHA DAS VADIAS ITABUNA
05 de outubro de 2011

ver também matéria no Atarde

Marcha das Vadias denuncia violência contra a mulher

Manifesto iniciado no Canadá acontece pela primeira vez em uma cidade do interior no NE

2 comentários:

  1. Marcos,

    Já coloquei seu blog nos favoritos. Gostaria de organizar em todo o ano de 2012 nos estabelecimentos onde trabalho, especialmente o particular, discussões e eventos voltados para a questão identitária: o ser negro, o ser mulher, nordestino, gay, gordo, deficiente...e por aí vai!
    No momento só tenho a boa intenção e algumas ideias desencontradas pululando em minha mente, se puder me dar uma luz, agradeço.
    P.S. passarei o seu blog para meus alunos, será leitura obrigatória para algumas aulas minhas. Você é MIL!!!!
    Aryana Rios(ex-aluna da pós na UESB, colega de trabalho de Tercy e super fã de sua pessoa Rsrsr)

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  2. Oi querida, não tem como te esquecer. Lembro muito de vc, da sua participação marcante nas minhas aulas. Pode contar comigo no seu projeto naquilo que eu puder ajudar. Obrigado pela indicação do meu blog para seus alunos, espero que eles possam também intervir, sugerir, discordar, etc. Beijos. Marcos

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