Por: Marcos Aurélio S. Souza
Salão dos bocejos. Quem lá boceja mais, ganha uma elegia ou um epíteto de presente. Academia de letras, lugar dos poetas, dos autores de literatura, onde essa espécie em extinção, chamada escritor, viceja com toda pompa social, que reivindica para si e julga merecer. Toda vez que se funda uma academia de letras no interior do Brasil se cria também um ambiente, uma ágora privativa, um panteão, no qual repousa toda uma fauna melindrosa de seu pretenso dever cívico ou artístico. Do velho político reacionário, o ex-prefeito com paletó desengonçado, que sequer escreveu um memorando, ao vereador de dez mandatos; do médico carniceiro ao jovem poeta, professor e donzelo, que faz versos para conquistar as meninas, na única pracinha da cidade. A academia de letras de qualquer cidade, a menor que seja, é a mesma academia brasileira de letras, aquela carioca, com todas as suas perversões, seus discursos e causas eternamente vazios.
Não consigo imaginar alguém com menos de 50 anos vivendo, ou aspirando a viver, sob o aroma da naftalina pseudointelectual de uma academia de letras, seja em Biguaçu, seja em Paris. A academia no Brasil já nasceu velha, sob as barbas completamente brancas de Machado de Assis, seu primeiro presidente, em 1897. Foi assim: Machado queria uma espécie de retiro, no qual pudesse, sob seu bigode cínico, ri de suas próprias flatulências descontroladas, criou a ABL. Entre olhares e olfatos graves de uma trupe intelectual de seguidores, ninguém desconfiaria do autor de Dom Casmurro, quando se descontrolasse, ele riria sozinho. Acusariam qualquer acadêmico recém empossado, cujo livro ainda estivesse no prelo. O acadêmico novo, diante do olhar dos velhos, acabaria por desconfiar de si. De qualquer maneira, esse é o melhor lugar para flatulências, porque nas academias qualquer coisa, demasiadamente humana e animal, pode ser considerada sublime.
A academia de letras é lugar de velhacos, gente “encostada” da vida, que, por esquecimento da sua própria morte, considera-se imortal. É lugar de natimortos que, por se esquecerem de nascer, estreiam-se defuntos. Nietzsche, em seu ceticismo, dizia que o último cristão morreu na cruz. No caso da academia, não há um único vivo capaz de eternizar sua causa, se é que existe alguma, todos atravessam seus umbrais já em absoluto estado de decomposição.
Alguns, porém, morrem efetivamente depois de assumir uma cadeira no reino dos céus, outros fazem troça da imortalidade e vestem uma camisola de dormir, outros carregam para o túmulo o trauma de nunca ter tomado chá. Guimarães Rosa morreu três dias depois de sua posse como acadêmico, Jorge Amado, que escreveu sobre os serões estéreis da academia, em Farda, fardão camisola de dormir, só se fez presente nos rituais acadêmicos para ouvir os mesmos serões para si - nada mais irônico. Lima Barreto tornou-se conhecido por ter sido o mais rejeitado, quis entrar, mas não entrou, teve sorte maior no infortúnio, livrou-se de morrer duas vezes.
Intelectuais diferentes que fazem parte de academia de letras, escrevendo no pasquim de sua cidade ou na Folha de São Paulo, publicando alguns versos ou uma narrativa de 600 páginas, são, em síntese, os mesmos intelectuais. Geralmente os defensores da liberdade de expressão, principalmente, quando ela serve para justificar uma enxurrada de besteiras que costumam falar ou escrever. Muitos deles são, por pura ignorância ou maldade, contra qualquer causa de grupos sociais que não sejam o deles, defendendo assim o preconceito e a ofensa contra grupos de pessoas historicamente desprivilegiadas. Riem dos avanços de políticas emancipatórias, ironizam, por exemplo, conquistas da luta contra a homofobia, porque, sob a fantasia de humanistas, sempre foram racistas e homofóbicos. A Bahia é um celeiro dos defensores da liberdade de expressão, uma liberdade de expressão que hoje só serve para eles mesmos, e para seus próprios preconceitos.
Há uma academia em Salvador, dizem que há uma em Ilhéus e uma outra em Valença, outra em Camocim no Ceará e outra em Araçatuba, São Paulo, etc. E não é que existe também uma em Biguaçu, cidadela de Santa Catarina. Imagino os serões intermináveis nesses lugares, nesses cemitérios, rincões de pseudointelectuais, lugar de uma velhacaria frustrada, desencantada consigo mesma, cuja grande aspiração é poder, quem sabe, depois da morte certa, ser lembrada por alguém. Tristes acadêmicos.
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