Marcos Aurélio S. Souza
Lubinha era a menina mais assanhada do bairro. Desde que conheci era assim. Uns quatro anos atrás, chegando novo no bairro, um psiu insistente, pensei não era pra mim. Mudança pesada, carregando televisão de tubo, psiu novamente. A insistência não deixava dúvida, alguém me conhecia naquele lugar, olhei e no alto consegui ver o vulto de cabelos negros, longos, enrolados, rosto oval, pele negra, abaixou-se na janela escondendo-se. Os rapazes, que me ajudavam, descarregando a mudança, riam sem disfarce, imaginei que a conheciam, o psiu poderia ser pra eles. Olhei de novo, e da janela a moça desconhecida, no terceiro andar do prédio ao lado, apareceu de sobressalto com um: “bem-vindo vizinho”.
(Olho no olho, disse a ela que tudo ia passar. Arrependi-me do chavão. Ódio de mim mesmo, de meu conforto, de minha vida boa, solteiro na cidade, comendo bem, fazendo o que eu gosto. Ela me perturbava ao seu estilo, olho no olho. Nada ia passar pra ela. Via amargura e incerteza nos olhos de Lubinha. Abraçou-me.)
Na mercearia, comprar ovos, leite, pão. Ela aparece, finjo que não vejo. Linda, uma bermuda, camisa amarela, barriga a mostra, piercing. Finjo que não vejo. De costas, esperando sua chegada e o beliscão na bunda: “Gostoso”! Na rua, mais provocação, depois do primeiro copo de cerveja dizia estar alta, então ficávamos altos juntos. No meu apartamento, tirava a roupa na sala ia para o banho e me chamava lá de dentro, eu ia. Fumávamos charuto e tomávamos vinho a noite toda, era o pior porre de nossas vidas, a ressaca era terrível. Pela manhã, gritava o menino do leite da janela, ela mesma descia de robe (sabia que me provocava), voltava sestrosa: “leite fresco”.
(Olho no olho. O irmão envolvido com crack, recuperando-se, vivia agora se drogando de café e de drogas lícitas, dormia a manhã e a tarde toda no apartamento minúsculo de um quarto. A mãe num subemprego qualquer e Lubinha cansada de trabalhar em loja de departamento, ganhar 400 reais, sem direito a almoço. Não conhecia pai, e sua outra irmã vivia na orla, arranjando “clientes”. Desconfiava que Lubinha fazia isso algumas tardes também. A irmã mudou para um outro apartamento. Lubinha segurava as pontas. Contou-me que foi violentada duas vezes na infância por um padastro, viveu na rua, agora pensava estar bem, mas não estava. Ódio de mim, do meu medo de Lubinha).
Domingo, jogo do Bahia, estádio cheio. Multidões deixavam Lubinha afoita, queria subir nas minhas costas na hora do gol, bater num adolescente que a chamou de gostosa, e no cambista que ironizou a posição do tricolor, “brigando para não ser rebaixado”. Muito sangue corria naquelas veias, o barulho da multidão incendiava seu ímpeto violento e duas vezes me arranhou feio com suas unhas. Na saída, o placar favorável, os dois gritos de gol, deixou-a indomável, sexualmente indomável. Beijou-me e mordiscou meus lábios várias vezes, puxava a gola de minha camisa, mordia minha orelha, enfiava a mão nas minhas costas, arranhando: “você não gosta assim?!” - sorria ordinariamente. O mesmo banho, a mesma noitada de charutos e vinho.
(“Vai melhorar”, outro chavão - ódio de mim. Ela olhava compassiva meu rosto, tomava minha mão, cheirava-a, puxava meus dedos – uma velha mania sua. Lágrimas corriam. Ia se mudar. Seis meses de atraso no aluguel, o dono conseguiu ordem de despejo, e a mãe desempregada. Talvez viveria com a irmã, ou iria com a mãe e o irmão viver num barraco de um obscuro tio finado. Deixei-a nas incertezas, eu pegava em suas mãos, cheirava seu pescoço limpo e perfumado. Medo e alívio, um vazio crescia e se transformava em liberdade. Livre de Lubinha, da sua miséria e da sua libido. Mordiscou meus lábios, em sua última provocação. Desceu as escadas.)
Eu me sinto como uma Lubinha...rsrrsrsrsr
ResponderExcluiradoreiiiiiiiii M.A.bjsssss