sábado, 17 de setembro de 2011

Desfiles e misérias no final de abril

 Por: Marcos Aurélio S. Souza

Do Palácio de Buckinghan à Abadia de Westminster, só riqueza e suntuosidade, do Campo Grande à Praça Castro Alves, só pobreza e miséria. Desfiles em mundos praticamente opostos repetem a nossa imensa realidade humana, paradoxal e triste, através de um figurino bem representativo. Lá os chapéus, cabelos loiros ao vento, tiaras coloridas e os fabulosos bearskins da guarda real inglesa. Aqui os cabelos crespos, guardas chuvas quebrados, que mal evitam a chuva insistente, mãos e bolsas nas cabeças para não estragar a “escova” e o “permanente”, boinas surradas e imundas da polícia militar, fingindo paciência com o trânsito caótico da Sete de Setembro e com as bolas vermelhas de palhaços, escondendo os narizes dos manifestantes. 
 
Pela televisão e pelas ruas largas de Londres, 2 bilhões de pessoas acompanham ao casamento real britânico, como diz uma serelepe repórter da Globo, no comércio soteropolitano algumas dezenas de comerciários cansados e transeuntes se empurram em calçadas estreitas, desviando o olhar da passeata que mendiga atenção, repetindo, com indisfarçável cansaço, o jargão enfadonho do proletariado da educação. No alto, nas coberturas e nos imensos apartamentos do Campo Grande e Corredor da Vitória, a elite baiana não se importa com os bonecos gigantes e as placas em vermelho de Greve das universidades estaduais, e acompanha, em televisão de plasma, as notícias sobre a grande encenação real, o carnaval inglês, imaginando perfumes, os pradas, guccis, armanis, desfilando na passarela do mundo europeu (vontade de estar lá). O governador baiano, identificado com o primeiro mundo, na sua cobertura, versão baiana de palácio real, no alto de Ondina, desliga celular e telefone, para acompanhar “seus semelhantes” europeus - não saber de greve, vontade de ser príncipe, sentimento difuso de rei tropical, entre o pensamento de lord político á la Joaquim Nabuco e a filosofia de Maquiavel. 
 
Lá em baixo, o mundo é diferente. O vermelho, um vermelho quase vinho, cardial, que em Buckinghan adorna os corpos do soldado e do príncipe William, acúmulo de sangue coagulado das chacinas bretãs, pinta a Avenida Sete na manifestação dos professores. Nessa chuva que cai hoje e derrete os morros, jogando barro em cima das pessoas das Cajazeiras e dos morros na capital baiana, o vermelho mais importante para o governador é o vermelho da cruz, que adorna a bandeira do Reino Unido. 
 
O governador prefere viver nos sonhos do palácio de Ondina, na pompa inglesa, que parece antiga e tradicional, mas, como bem lembra os historiadores Hobsbawn e Ranger, foi forjada recentemente como símbolo de poder, inquestionável e cruel. Ele prefere viver na sua própria invenção de estado, cortando salários, impedindo as Universidades crescerem e os professores se aperfeiçoarem, dedicando seu tempo integral por um salário de miséria. Prefere viver no castelo de Caras da elite baiana, ideologicamente branca de olhos azuis, como a elite britânica. 

Chove e inunda em todos nós uma sensação de que o mundo parou no século XVI. A elite política baiana imita a Europa, políticos brasileiros imitam nobres ingleses, como as mulheres brasileiras imitavam os chapéus das colonizadoras portuguesas no século XVI, os quais, distantes de qualquer moda ou senso estético, escondiam coros cabeludos empesteados de piolhos. “Wagner Nabuco Maquiavel”, nosso governador, quer ter seu desfile final, seu momento de príncipe em sua Copa de mentiras, quer mudar para Europa como Joaquim Nabuco sem sair do Brasil, a custa do sucateamento da educação. Sua única campanha é oferecer ao mundo, uma farsa, um show, uma ilusão de felicidade durante um mês de futebol, e deixar o Estado da Bahia tão pobre e miserável quanto estava antes. 

Nossa campanha, a de professores e de outros funcionários públicos, por outro lado, deverá ser também contra esse circo, esse casamento real da Bahia como empresariado nacional e internacional, numa Copa, que desviará bons quinhões do erário e dos interesses do estado da Bahia. Se não for assim, aquilo que poderia ser investido em saúde e educação, na melhoria e ampliação das universidades estaduais, por exemplo, escoará obscuramente numa Copa fantasiosa “para inglês ver”.

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