domingo, 2 de outubro de 2011

Vizinho


Chamou minha atenção quando vizinho chegou. Nunca consegui chamar pelo nome, acho que era Marcos ou Paulo, nem lembro. Vizinho era melhor, eu só chamava assim, virou quase um apelido pra mim. Chegou todo atrapalhado com a mudança dele para o prédio do lado, estava na cara que não era homem de carregar peso, outro filhinho da mamãe. Mas, com uma bundinha linda. Fiquei olhando da janela, dando psiu, escondida. Aquele desajeito, aquele olhar perdido, fui logo tomando boca, queria só me divertir um pouco, porque nem gosto muito de homem mole. Ele estava carregando uma televisão das antigas. Aquele trambolho três andares acima, achei engraçado, dei psiu novamente, me escondi, apareci de novo. Ele com uma cara de assustado. Foi assim que a gente se conheceu.


Daí em diante, vizinho ficou na minha cola. Apaixonou logo, parece que nunca tinha visto mulher na vida. Não sou de se jogar fora, aliás me acho até gostosa, mas vizinho quando me via parece que dava de cara com a Gisele Bite, aquela modelo. Presentinho pra cá, xaveco pra lá, estava na cara que ele queria me comer.

Cismou com meu nome, não acreditava que alguém poderia chamar Lubinha. Eu, claro, nunca que ia revelar meu nome de batismo. Lubinha é muito melhor do que Lurdinete. Teresa, minha irmã me deu esse nome de Lubinha, e eu era bem pequena, foi a minha salvação. Todo mundo me conhece assim. Onde chego, é Lubinha que faz sucesso. Boto um shortinho, uma bermuda apertada... Vizinho é um pouco mais discreto, mas não é diferente dos outros homens do bairro, olha mesmo. Só que ele ia ter que ralar muito pra chegar no material aqui.

E ele ralou. Foi dia de finado, ia com mamãe visitar o túmulo do padastro. Antes desci a ladeira da rua pra comprar flores. Vi vizinho de longe, lendo jornal na banca, mas fiz que não vi. Passei por ele, e na barraca do lado pedi meia dúzia de flores. Não falei com ele, fiz cara de luto. Ele estava até mais bonitinho, mas com a mesma cara de perdido. Perguntou se eu não falava mais com os pobres. Não vou mentir, nem gostei da frase, fechei a cara. Quem já se viu, ele mais pobre do que a gente? Vive de boa, parece que nem trabalha, deve receber pensão gorda de papai, só vejo ele pedindo comida no China in Box. Mesmo assim falei bom dia, não pra ele, mas pra todo mundo que estava na banca. Ele comprou uma flor bem bonita, e quando virei pra ir embora, ele me chamou e me deu, dizendo: “Você esqueceu essa, é a mais bonita, parece contigo”. Até que gostei da cantada, peguei a flor, dei um sorriso pra ele e fui embora.

Noutro dia chamei vizinho, fiquei com dó. Pedi desculpa, disse que estava zangada naquele dia. Não revelei o motivo, mas disse que a gente podia tomar uma cerveja depois, se ele quisesse. Ele ficou de outra cor, parecia que nunca tinha recebido convite de mulher, vi que estava feliz. Marcamos naquela tarde mesmo, ele tinha carro e me levou para o Rio Vermelho. Comemos acarajé e ele pediu a cerveja. Enrolei em dois copos e ele bebia muito. A cerveja no meu copo ficava quente, ele jogava fora e enchia, ficava quente de novo, ele enchia. Eu disse que estava alta, meio tonta, ele me levou pra casa.

Na despedida, achei que ele ia me dar um beijo, mas nada. Chamei ele pra debaixo da escada e dei uma colada, no meu estilo, quente, ele ficou louco. A boca dele era boa. Perguntou se queria subir para ver umas fotos de família. Lembro que ri da cara dele, mas subi. O apartamento era arrumado e cheiroso, cheiro bom de perfume de homem. Fui logo dizendo que queria tomar um banho, disse que era uma mania minha, ele me ofereceu uma toalha e um sabonete, todo envergonhado. Tirei a roupa na frente dele, caminhei só de calcinha para o banheiro. O bichinho ficou nervoso, e eu me divertia com aquele sem jeito dele. Banheiro limpo, sem cheiro de xixi, sem sujeira, papel higiênico do bom. Fiz do meu estilo, novamente, chamei ele para tomar banho. Ele parecia não me ouvir, ou não acreditava no que estava ouvindo, chamei duas vezes, e de novo. Ele botou a cabeça na porta aberta e perguntou sem graça se eu estava chamando. Disse para ele entrar. Perguntei se nunca tinha visto uma mulher nua, puxei pela gola da camisa dei outro beijo e trouxe ele para o chuveiro, vestido mesmo. Foi uma delícia aquele primeiro encontro com vizinho.

Depois disso, ele ficou viciado, todo dia era um jantar novo, um prato que ele preparava para mim, um vinho estrangeiro, até charuto cubano me fez fumar com ele. Noutro dia ele estava um bagaço, de ressaca, ria do seu sono de manhã e do seu ronco. Passei uns bons dias assim, até levei roupa íntima pra casa dele.

Eu usava a mesma tática, fingia que bebia, mas não bebia quase nada, fingia que fumava, mas não tragava. Nunca fui boa pro lado do álcool, nem pra droga nenhuma. Lá em casa, bastava meu irmão, viciado em crack, mas esse já estava curado. Vizinho quando bebia ficava todo sentimental, recitava poesia, falava da família, eu adorava isso, depois pedia que eu falasse da minha vida. Comecei a inventar meus dramas só para acompanhar ele. Eu não mentia só aumentava, trocava personagens. Disse que minha irmã fazia vida na orla, isso era verdade, mas que eu não queria saber de vender meu corpo, isso era mentira. Disse que saía todo dia a tarde para trabalhar na Renner, mas ia se encontrar na Orla com minha irmã, fazíamos programa juntas. Disse que minha mãe trabalhava num subemprego, mas minha mãe não trabalhava, recebia uma pensão miserável. Disse que meu irmão dormia o dia todo por causa dos remédios para curar do vício, mas ele só dormia pela manhã. Que fui violentada por meu padastro na infância, mas meu padastro até era legal, não fedia e nem cheirava, pelo menos nunca me bateu. Realmente, quem me bolinou foi o escroto do meu irmão, isso foi na adolescência, já passou. Mas isso eu escondi.

Eu me divertia, porque ele prestava bastante atenção em tudo que eu falava, e fazia uma boquinha muito engraçada. Quando falei que iriamos mudar do apartamento, ele ficou bem triste. Eu tinha inventado sobre a falta de dinheiro para o aluguel, que iríamos morar num barraco. Na verdade iríamos mudar sim, mas o motivo era que estava grávida de um antigo cliente, um homem casado. Resolvi ter o bebê e não queria morar num apartamento miúdo, com mais uma criança. A ideia era morar com um tio viúvo, num apartamento maior no Cabula. Chorei por vizinho e por mim. Ele ficou calado, dei um beijo. Arrependi depois das mentiras, mas vizinho gostava de dramas. Antes de ir embora, disse que daria tudo pra saber o que estava passando na cabeça dele. Ele me disse uma frase muito bonita, que até hoje lembro: “os pensamentos são incomunicáveis”.




Um comentário:

  1. Muito bom Marcos! Seus contos, se assim posso chamar, são sempre envolventes.

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