sábado, 17 de setembro de 2011

A escalada do terrorismo antigay

Por: Marcos Aurélio S. Souza

Todo monstro agressivo, que agoniza ao ser ferido mortalmente, vai partir para cima com fúria e sede de morte também. Seu motor é o ódio e, sob a força desse sentimento, o monstro morde a esmo, cospe fogo, espirra veneno, vocifera loucamente.

Estamos assistindo no Brasil a uma escalada do terrorismo antigay, que nada mais é do que a agonia de um monstro atacado pela força do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros). Esse é o último movimento social da história, e é o que vem arrastando, com vigor, outros movimentos do século XXI, esmaecidos por uma sensação, nada confortável, de que a humanidade está melhorando.

A humanidade não está melhorando muito. O ódio antigay é a pedra que desceu sobre nós, da montanha de nossa esperança de um dia acordar num mundo sem preconceito. A homofobia se esgarça em sua maldade, ela consegue ser, ao mesmo tempo: discriminação racial (já que ser gay é ser considerado “raça inferior”) e discriminação de gênero (pois gays sofrem a mesma violência machista, dirigida cotidianamente às mulheres). Portanto, toda convocação de luta contra a homofobia, é uma convocação também contra a discriminação racial e de gênero, elas estão conjugadas numa mesma estrutura de pensamento: falocêntrica, etnocêntrica, heterocêntrica.

O monstro parece não querer morrer, apesar dos golpes contínuos. Na peleja, entretanto, ele se desnuda, mostra sua agressividade desastrosa, irracional, incoerente, ataca de uma lado, cede de outro, morde a si mesmo. Acabo de ler no jornal A tarde (um jornaleco do estado, com fama de grande jornal) que a caricatura homofóbica (o homem já não é mais gente, mas uma ilustração grotesca do preconceito sexual de nossa sociedade), chamada deputado Jair Bolsonaro, foi convidada para abrir um grande encontro, em Salvador, da área do direito penal. Porrada na cara da gente. Não se pode esperar mais nada do judiciário baiano, o mais lento e ineficiente do país, que só oferece desserviços à população mais oprimida e violentada. O título da palestra, pasmem, direto do século XIX - assumindo inclusive a terminologia patológica da época: “Proposta Política de Prevenção ao Homossexualismo”.

(O estudante de direito, quando recebe seu diploma numa universidade baiana, recebe também o atestado de que cursou disciplinas como Arrogância, Estupidez, Burrice e no final é elevado a categoria de Chauvinista do retrocesso ético e moral. Como já disse um amigo meu, “só existem bons cursos de direito, no lugar onde existe justiça”. Definitivamente, esse não é o caso da Bahia.)

Se o GGB (Grupo Gay da Bahia) baiano estivesse “comendo mosca”, como muito dos movimentos sociais de hoje, não teria rapidamente impetrado uma ação, usando espertamente os mecanismos jurídicos, contra os organizadores desse encontro. Marcelo Cerqueira, presidente desse grupo não fez apenas isso, como informa a reportagem do A tarde: ele “veiculou a informação de entidades ligadas aos homossexuais e direitos humanos na internet, comunicou o Ministério Público do Estado e reclamou junto a direção do Juspodium” (empresa organizadora do seminário). A organização, “cara de pau”, cancelou a vinda de Bolsonaro, informando que a discussão era técnica, mas que, mesmo assim (numa evidente contradição), resolvera cancelar a palestra de abertura, pois “se afasta dos objetivos do evento e não queremos transformar o evento em um ambiente partidário e de hostilidades”. Pergunto: e por que convidou? Pergunto: e se o GGB não intervisse, eles teriam essa “consciência”?

Foi sob essa mesma nomenclatura de técnica, ou de ciência, que grandes teóricos do racismo científico do século XIX pregavam o extermínio de negros e deficientes físicos no Brasil. A desculpa da organização não colou. O que eles não queriam, mesmo, é terem seus paletós de pretensas seriedade e justiça, enxovalhado por uma multidão de manifestantes gays furiosos, logo na abertura pomposa e festiva de um evento como esse. Diferente dos, não menos brutais, jovens neonazistas de São Paulo, tatuados com a suástica e frases no corpo como “white power”, advogados queriam fazer terrorismo homofóbico de gravata, o que poderia parecer “legal”, diante de uma sociedade incauta.

Como acredito um pouco no ser humano, não acho impossível que setores reacionários possam ceder às marteladas (protestos, ações processuais, manifestações em redes eletrônicas) dos movimentos sociais, e até assumir suas bandeiras. Lembro que Desmond Tutu, ícone da tradicional igreja anglicana, comparou a homofobia ao racismo: "Penalizar alguém por sua orientação sexual é o mesmo que penalizar alguém por algo que a pessoa nada pode fazer a respeito, como a cor da pele. Ao fazer isso, a Igreja persegue um grupo que já é perseguido". Gene Robinson, recentemente, foi o primeiro bispo a assumir e defender sua homossexualidade. Eu acredito que pastores e padres vão deixar de fazer pregações absurdas nos altares, nas rádios e na televisão, contra a sexualidade das pessoas, seu direito de amar livremente, e até vão se assumir homossexuais também – alguns deles, pelo menos. Assim também acredito que teremos um direito mais sensível à essa questão.

Por enquanto nós, negros, mulheres e homossexuais, temos que domar e destituir essa escalada agonizante do terrorismo homofóbico, nem que seja a golpes de martelo.

2 comentários:

  1. Olá Marcos,

    Excelente texto! Nós professores temos um papel fundamental na luta contra todo e qualquer tipo de discriminação.
    Fico curioso com as ondas de perseguição que se propagaram ao longo da história. Mulheres, negros, índios e tudo aquilo que se desvie de um padrão imposto por uma cultura dominadora que nós insistimos, tacitamente, em consumir.
    Parabéns pelo texto e que ele seja levado à todas as zonas de debate, principalmente nos territórios das idéias dos velados agressores: pessoas que mantém este discurso, debaixo de nossos olhos sem que a gente perceba.
    Abraços

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  2. O TEXTO ESTÁ MUITO BOM!!

    ESTAMOS CONSTRUINDO UM NOVO DIA,UMA NOVA CAMINHADA QUE DEIXAREMOS COMO LEGADO PARA AS FUTURAS GERAÇÕES. ENTRTANTO,QUERO RESSALTAR QUE MESMO DIANTE DE MUITOS ATAQUES,POR PARTE DOS CONSERVADORES,DOS MEIOS DE COMUNICAÇÕES E SEUS GESTORES QUE QUEREREM A SUBMISSÃO DOS NEGROS E A CONTINUIDADE DA EXPANSÃO ESCRAVOCRATA.ESTAMOS À VECERA ,MAIS UMA DAS LUTAS, DE MUITAS QUE TRAVAREMOS E CONQUISTAREMOS DAQUI PRA FENTE.PORTANTO,PARABÉNISO A TODOS AQUELES QUE CONTRIBUIRAM DIRETA E INDIRETAMENTE, COM ESSE MOMENTO HISTÓRICO.ASSIM, FICOU ÓBVIO, O DINAMISMO DO "STF" PELO RECONHECIMENTO E REPARAÇÃO DE 300 ANOS, DE SOFRIMENTO DE UM POVO. VAMOS À LUTA... ABRAÇO PROF.MARCOS

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